terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sob

o mesmo Sol
que ilumina o Monte Parnaso

a mesma influência
dos Clássicos, da Lua, do coração

o jugo de Chronos
fazendo sentir o arrasto das quatro estações, da translação, de cada segundo

o domínio do Ego
em vão, constantemente tentando dar lógica a isso, que é só sentido

o olhar inexistente
e o imaginar o brilho que há ou não neles

a sombra de minha memória
em um banco de praça qualquer
sento
levo a mão ao rosto
depois a cabeça
Acendo um

Sob qual ótica leriam isso?
Sob qual aspecto se identificariam?
Sob quais circunstâncias perceberiam o despropósito proposital?

Depois de tanto tempo, depois de tanta coisa
sob tudo isso

e seu corpo não está sob o meu!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

TEATRO PORTUGUÊS

EL-REI / EL-MALIK

O frio lambendo as feridas das peles queimava o reflexo em superfície rugosa dos diversos medos de sabores épicos que gritavam o cheiro da necessidade do mártir, fazendo-se audiovisualmente presente no campo de batalha. Ali, o mundo está sempre por recriar-se, seja para aqueles que se sagrarão vencedores, seja para aqueles que já entraram ali derrotados.

Todos são elmos e máscaras, prontos para o maior papel de suas existências no palco da guerra. Quem sabe orar, reza para uma solução Deus-ex-machina, um milagre que, na crueza verossimilhante daquela encenação da vida, não virá. Que é a vida, ou além, já é a própria sobrevida em seu derradeiro e único ato: a cena do julgamento. O pranto de legiões de almas danadas que tentam a primeira salvação - que não virá, para vencidos ou derrotantes.

Os cavalos são o que há de mais humano entre as coxias, pois entrarão em cena todos instintos. No proscênio, os grandes generais são a pantomima da cordial sanguinolência porvir. Instintos e respondem ao perigo e domados seguem adiante, resfolegando, empinando, escoiceando animalidade nas razões da luta. Razões porvir.

São os arqueiros que se colocam no coro de metal e aves zunindo rêmiges nos céus - um céu-cenário para cada lado, nunca o mesmo Céu. Abrem as cortinas para representarem através de canto elegíaco de suas mortes engastadas entre escudos e peitos. Na marcação exata, dão a deixa para entrarem os protagonistas do esquecimento: a infantaria de homens que realmente viveram, souberam sobreviver, se embriagaram, defloraram seus futuros bastardos dos ventres camponeses lançados à terra, saquearam fés, riram e brigaram por coisas mesquinhas e amaram verdadeiramente, carnalmente e, também, marcharam por longos ensaios até os camarins das figurantes amizade e cumplicidade necessárias para o ombraombro das formações de defesa. Máquina que o soldado ao lado era ainda mesmo ator e corpo pulsando virilidade e cobardia ao som dos tímpanos e cornes que mesmo os anjos não ousariam tocar diante das muralhas dos últimos dias. Homens, menos os cavalos, mais humanos e bem tratados. Homens que improvisavam seus textos. Homens menos cavalos, açoitados pela vã glória que nunca terão suas. E, quando se percebe, tudo é rubro, abutre e pilhagem. Cavalos são cavalos e generais são tripas, vísceras, morte.

Dom Sebastião se foi entre os mouros do Islão. Inimigo que nunca estivera ali, exceto no reino lisboeta, até hoje, como num ruído de ondas... Que nunca foram realmente choradas.

Fecham-se as cortinas. Cruz e Crescente eclipsados.

Dois mesmos Messias que não chegará algum, jamais, novamente.

Perdido em alguma África onde Tormenta se confunde com Boa-Esperança, nem leste, nem oeste, nem nunca mais.

(Girrade Cruz, sem data)

Aforismo

"Só sabe o que é um careta quem fuma"

terça-feira, 1 de novembro de 2011

sONETO mOSCAspas

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Trecho de "Nilo e Mila no fabuloso Mundo de Lá", de Musa Nasser.

(...)

Nas diversas prateleiras,

Livros e mais livros

e livros e mais livros

mais livros, mais livros

e livros e-livros

Livros e mais livros

Assim, todos arrumados, bem colocados, classificados, dispostos lado a lado, enfileirados tematicamente - filosofia, geografia, história, ilustrados ou não - juntos, kapa a kapa, listados minuciosamente naquela orgia-ordem: peter pan, quixote, rumi e os salmos; todos unidos, fossem quem fossem, tinham seu espaço, Virgílio, William, Xerazade, Yeshua, Zoroastro...

Manifesto Pau no Cú

Ah, sim, e ia me esquecendo mesmo
Dedico essa bosta aos amigos
sim, vocês
principalmente ao Monarca
pra quem ainda devo uma grana e vou ficar devendo, porque isso aqui não se publica...

Manifesto Pau no Cú (parte XII)

E, antes de ir
(porque já deu a hora)
Sim, cú tem acento
Não vim aqui falar pra bundinha
Pau no cú
E se me esqueci de algo:
- Pau no cú!

Manifesto Pau no Cú (parte XI, porque é quase hora)

Católico de formação
Muçulmano sem mesquita
sem norte, sem Mecca
Pastor da abominação
(meu evangelho é Marginal)
levo minhas palavras ao lixo mendicante
e as devoro após
suja, mutiladas
assim, estragadas
fétidas
ruínas do Concreto
que tento reerguer em nova paisagem
inconsequentes
ingênuas
Antropofagia é coisa de canibal!
Pior que não
mas eu não devoro culturas
eu transo com elas
sobretudo as gordinhas afim de dar
culturas gordinhas e barangas
Velhas também, serei justo
- São jorge-dragão -
e sincero
Quero descabaçar as virgens
Só não creio que as haja
"pero que las hay, hay"
Ai! Ai! Chutei uma pedra em meu caminho, sem querer
e querendo
E é exatamente
Caminhando ainda
e sentido essa dor
é que...
já nem sei
- Pau no cú!

Manifesto Pau no Cú (parte X)

Já curtia o cheiro das vaginas
(porque ainda eram vagininhas)
A matéria bruta ainda em estado de ser
nos meus dedos e sonhava com o
agridoce sabor dessas maçãs
(porque ainda eram proibidinhas)
sílabas do pecado e palavras de danação
No paraíso de minha adolescência
que, Adão
costela quebrada fui expulso pra a terradulta
de conquistas onerosas
compromissos lexicais
coisa da sociedade sintática hipócrita
Pois sempre havia uma gordinha afim de dar
frases cheias de volúpia
De graça
Diferente das putas
Que eram questão de status
Mostrar que eu não ia me formar
mas ganhava minhas trinta moedas
funcionário público concursado iscariótes!
Corda pra me enforcar
à criança, a mirra, o incenso e o ouro
ao homem, látego, cardo, cruz
E foi isso: não o deixaram ser poeta
O transformaram em pateta
em rei
em Deus
e era apenas um grande profeta
da poesia
Da prosa veio o profeta após
Hégira

Manifesto Pau no Cú (parte IX)

Sim, tem que meter, chupar buceta
E muito
E muitas
Pra ser poeta, menino
Tem que viver
E muito
E muitas
Guarde suas espinhas inflamadas e pulsantes pro seu reflexo no espelho
E deixe o trabalho de homem pros homens
Que somos moleques, mano
E por isso sabemos do que falamos:
brincadeira de criança também tem regras
Mesmo pra falar qualquer besteira,
menino
Pra quebrar as regras não é preciso ser o dono da bola
Cabaço
É preciso ser bom
O melhor
E o pior
Se me perguntam porque sou tão ruim
Eu digo
- Não sou
Sou pior
O melhor
E o pior

Manifesto Pau no Cú (parte VIII)

Eu quero vadiar
e, pra realizar meu nobre sonho macunaíma
escrevo
E fazem piada de mim
Sou tão minoria quanto
satirizado, martirizado
idolatrado
letrado
vadiando e
enganando enquanto aqueles que se formaram
debatem
entre si as teorias (regras de brincadeiras infantis)
de tudo que não fiz
Cuspo neles
cuspo pra cima
Mas saio de baixo
Satirizando, martirizando
idolatrando
letrando
vadiado e
enganado enquanto aqueles que se formaram
debatem
entre si e ganham dinheiro
tudo que ainda não fiz
Cuspo neles
e cuspo pra cima
...

Manifesto Pau no Cú (parte VII)

Meus filhos
incito-os à violência
verbal
Dou-lhes palmadas com palavras e quero que eles batam nos que tentarem folgar com eles
Droga, não quero filho cabaço
As palavras têm que ser viris e eu as açoito.
Meus filhos são vampiros
E também tenho o direito de desejá-los preto no branco
biblicamente
Em respeito a minha avó
Aliás, ainda tenho piadas bastantes pras minorias.
Pau no cú, com assento
pra poder sentar
piada infame, como
poeta infame
da infâmia que é a glória de ser poeta

Manifesto Pau no Cú (parte IIII, como no relógio da estação)

Ah, a morena do curso de francês
Punheta
- Eu sujo minhas mãos!
Pilatos
São tantos os loucos
Je ne parle pas français
Minha língua é a maldita inculta e bela
a última que me permite
ser independentemente de
estar
E eu só fumo o que me parece mais natural

Manifesto Pau no Cú (parte III)

Não me levem a mal
Se eu for à igreja é por obrigação
nada de fé
Respeito muito a formação catolicapostolicarromana de minha avó
Dela. Se eu vou à igreja é pra ver se arrumo uma putinha afim de dar no dia do Senhor
Nos outros dias...
Eu quero vadiar
Poeticamente
A poesia tem que ser brincadeira de criança
Espontânea, com regras simples
E durante a brincadeira, esquecer as regras e reinventar o jogo
pra ganhar
Roubar não vale. Mas guardar caixão até alguém perceber
Eu, fulano de tal, documento 123, salvo o mundo!

Manifesto Pau no Cú (parte II)

Vampiro não tem sentimento
Não ama ou
Como eu amo tantas de uma vez?
Tenho tantas piadas das minorias e não posso contar
Ninguém ri, sem preconceitos:
Pimenta no dos outros é refresco
O que é seu, você dá se quiser, mano

Manifesto Pau no Cú (parte I)

Sim, quero descabaçar as virgens
Quero falar palavrão
Chutar os cães, mais importante
Roubar da goiabeira do vizinho.

Não tenho modos à mesa
Odeio cinema de vanguarda
E dane-se a norma culta
Chineses, coreanos, índios
Pra mim
São todos japoneses
Maldito ômega 3 que me faz desejar o que não posso
Mas os frangos têm cada vez peitos maiores e são
Abatidos cada vez mais cedo

O Mito

Me pediram um cigarro
Era um dia desses
Qualquer
Qualquer dia, qualquer cigarro
Desses
Puxei do bolso o
"Imperador"
- Mas isso é cigarro de pedreiro!
Cigarro de quem constrói
se bem aceso
- Você não trouxe o fogo, Prometeu.

(HdD, 1988)

Eu não acredito

Eu não acredito:
nos mitos que, se diz, foram homens
nos homens que, se diz, foram mitos
no Deus que se fez homem
no homem que se fez Deus
Hoje, só me forço a crer em dois tipos de homens
e sem exceção possível:
aquele que enxerga o fruto e não resiste
aquele que mal vê o fruto e foge
O pecado está em não dar uma mordida sequer, jamais.

(Hilário das Dores, sem data)