quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O surto do frentista

Por semanas, guardou as garrafas de tubaína que tomava para empurrar o marmitex do almoço. Hoje, depois do expediente, após passar a corrente em volta da esquina do posto, enquanto assoviava "adocica, meu amor", encheu todas as garrafas com gasolina aditivada, tapando-as com uma mecha de estopa limpa no gargalo. Colocou-as cuidadosamente na caçamba de sua caminhonete velha e conduziu até o shopping center mais movimentado da cidade. Estacionou, por sorte, em uma vaga num andar lotado de automóveis. Mudou o assovio para "fogo e paixão" e abriu a caçamba. Pegou uma das garrafas e observou-a como um sommelier aprecia vinhos raros. Com seu isqueiro chinês, acendeu um cigarro paraguaio e queimou a estopa no gargalo. Escolheu calmamente o modelo de automóvel europeu mais caro que identificou ao seu redor e arremessou a garrafa em sua direção, descrevendo uma parábola lenta e perfeita. Sentiu o mesmo frio no estômago da vez em que acertou um chute de longa distância no ângulo do gol no maior rachão da vila: frentistas contra pedreiros. Foi a primeira sensação de muitas naquela noite naquele estacionamento - a mais excitante.

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